quarta-feira, 1 de abril de 2009

Desbotamento

É hora de partir!
Já fechei as janelas e as portas
Devolvi as chaves
Levo uma mala cheia de cacarecos velhos,
as cartas que nunca recebi
e os cartões postais por onde tu passavas
Sem perceber guardei na gaveta os incensos já sem cheiro
As fotografias do quadro de ímã eu vou deixar
Deixo também as últimas lamentações neste poema
Agora eu vou de verdade!

As cores da parede desbotaram desde o dia em que você se foi
E eu achando que você tinha apenas ido ao cômodo ao lado
e que voltaria para o café da manhã
As canções eu vou levar, elas caem muito bem como trilha sonora do futuro amor
Só sinto pena pelo jardim que muchou inteirinho era o seu tempo de água e afofar a terra...
Me dei ao último trabalho de sedimentar o lixo orgânico no quintal
Agora não nos cabe mais nada
Deixemos que a chuva e o sol realizem o milagre final
Eu já fui!

domingo, 29 de março de 2009

Na rua dos bobos nº 0


Era um num sei quê de barba por fazer e aqueles perfumes masculinos que ficam morando no nariz da gente, e era também algo de olhinhos apertados quando sorri, olhos flamejantes dentro da fumaça. “Vermelho são seus olhos quase que me queimam”. E eu fiquei só olhando. Depois peguei o ônibus de volta, fazendo o retorno, peguei em frente á UNICAP, adoro fazer retorno, só pra passar pelas pontes, e passear pelo Recife velho. Sentei na janela, adoro a janela, o vento no cabelo fuá, e lá fui eu... pensando nos olhos. Passeando e sentindo a brisa, e o cheirinho fedorento da minha menina dos olhos do mar, é um perfume fétido, cheiro salgado de mangue e mijo.
Eu viajei na quantidade de gente dormindo na rua, muita gente, isso me lembrou um caso lá no Ibura: enquanto eu abordava uma moradora tinha um homem olhando insistentemente pra nós, então observei que ele estava dentro de um quadrado, que na verdade era um alicerce de algo q já foi uma casa. Ali ele estava a cozinhar em um fogão a lenha improvisado. Então, perguntei a moradora se ele era parente dela, se morava na casa, ai ela me respondeu: “ele é vizinho, ele mora aí”, então questionei o que ele fazia pra se proteger em época de chuva, ela disse que ele ficava em pé em baixo do guarda-chuva até a chuva passar. Pensei no que é uma casa, seria qualquer lugar que te abrigasse da chuva e do sol? Para aquele homem, a casa não tinha teto, não tinha nada, e nem protegia do sol ou da chuva... a casa era um alicerce. Agora vou eu dizer que aquilo não é casa, até os moradores o consideram como vizinho, é o vizinho da rua dos bobos nº 0. Continuei o passeio, vendo os vários vizinhos da onipresente rua dos bobos e o insistente número 0 em cada cantinho do Recife velho e do Recife novo. Em pouco tempo já havia esquecido os olhinhos apertadinhos, fiquei foi vendo as pessoas nas paradas do ônibus, expressão de cansaço, provavelmente a galera que trabalha no comércio, no telemarketing, trabalhadoras e trabalhadores, e o cheiro que invadiu o ônibus era cheiro de suor, de trabalho, o cheiro do trabalho meu bom burguês, o cheiro do trabalho!



*Foto de Marina Sobral

quarta-feira, 25 de março de 2009

Na falta de imagem lhes ofereço palavras: quase findo mais um dia de monitoramento nos morros do Ibura, uma das equipes ainda permaneciam na casa de uma moradora, sentei-me na escadaria, bem no meio pra ser bem exata, sentei-me em cima do meu colete e me protegi com a sombrinha de Regina, quando por alguns momentos pude apreciar a beleza daquela vista... merecia um clik! Eu já vi muita coisa bonita no morro, tem umas florzinhas amarelinhas, que incrivelmente brotam nas barreiras, em umas barreiras bem perigosas... a beleza no risco! E a vista, ah aquela vista! Pensei que o morro poderia ser um lugar com mais estrutura, pois eu soube que a maior parte da cidade do Recife é composta por morros, e que em outros países, as pessoas mais abastadas moram nos morros. O morro é incrível de tão arborizado, o ar é mais limpo, só não é mais limpo ainda, por causa das canaletas a céu aberto, o lixo e a falta de saneamento. Eu moraria no morro, se houvesse boas condições, as vezes eu tenho a sensação que é uma outra cidade dentro da cidade, é um pedacinho de interior, as pessoas criam galinhas, uma outra colega que o diga ela é galofóbica, em quanto todos perguntam se tem cachorro nas casas, ela já pergunta se tem galo. Fui a uma casa hoje que tem pé de fruta-pão, pitomba, um coqueiro e tantas outras árvores, e uma sombra gostosa... deu vontade de ficar, fora que ás 11 horas da manhã, um cheiro de feijão invade a todos. Não se trata de mascarar a realidade nua e crua que coexiste com a vida bela nos morros, se trata de um momento de contemplação em meio ao calor infernal! Eu que taurinamente desejo uma casa no campo, me deparo com os riscos que estas pessoas se submetem, escorpiões, a própria erosão do solo agravada pela ação humana, as chuvas! Acho engraçado falarem de desordenamento urbano, quando a população pobre foi sendo empurrada para os morros, e tratadas a margem do asfalto, assim como as comunidades ribeirinhas, as que estão em área de alagados... emfim, tire seu indicador do meu caminho que eu quero passar com a minha voz!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Devolva minha inspiração
Devolva minhas lembranças
Meus resquícios e provas
Devolva... Me devolva vá, devolva!
Porque eu já fiz de tudo
Alinhavei o começo, teci o meio,
dei acabamento ao fim
Porque eu te vesti e fui passear
E não caiu bem, não me caiu bem!

terça-feira, 17 de março de 2009

O tirador de fotos



"O operário faz a coisa, a coisa faz o operário", parafraseando o poetinha camarada, "O viajado faz a coisa, a coisa faz o viajado" hauhauhau!!

Eu diria que ele é como o vinho: suave, doce e leve...

leve, como leve pluma
muito leve, leve pousa
na simples e suave coisa
suave coisa nenhuma
...
que em mim amadurece
by Secos e Molhados

"Segura a coisa com muito cuidado que eu chego já!!!"

Minha alma tão vazia refletida na cidade do Recife
Eu chorava não pelos que foram, mas pelos que ficaram
Do tempo são o retrato do povo maltratado
E nas mesmas pontes que passei desolada
Vejo maravilhada que todas as sacrificadas e sacrificados
Desfilavam com sorrisos iluminados
A justiça não chegara
Mas nas asas da liberdade
Voávamos, pois era carnaval
E eu cantei um frevo de bloco
Olhei praquele mais bonito sem medo e sem pudor
Fui colombina para tantos arlequins e pierrôs
Um palhaço escondendo sua dor
Eu brinquei os quatro dias
Vendo o fogo queimar
Pra na quarta ver a cinza passar
Dia desses nas ruas movimentadas do Recife
Eu ouvir vassourinhas tocar
E quando me dei conta
O povo todo parou de trabalhar, de andar, de comprar.
E um dia normal foi sem querer promovido a carnaval

2003

Á moda de Lispector


Ontem eu vivi uma felicidade clandestina, aliás, um momento de clandestina felicidade... devo tudo a insistente permanência do carnaval de Recife e a José Telles. Sexta passada, no Marco Zero, na comemoração do aniversario da menina dos olhos do mar, Elba atacou com muito frevo, eu de início praguejei, mas não resiste a tentação “que começa na cabeça e depois toma o corpo e acaba no pé’.. e foi justamente no pé que eu me ferrei. Do nada, virei o meu pé, que dor *&¨%$#@!!! Mas, por não ter mais plano de saúde, resolvi ficar nas compressas e não me submeter as emergências lotadas, porém na segunda de manhã com o pé quase em elefantíase, fui obrigada a ir ao hospital... antes de sair de casa, começou a ser gestado o meu momento Clariciano, lá estava em cima da mesa, o livro que comprei para presentear meu cunhado, que aniversariou em fevereiro, o livro de José Telles, desde que comprei estou a flertar com o singelo título “Eu e meu ray-ban, uma viagem”
Viagem, essa palavra vem morando na minha boca e na de Lella, VIAGEM, QUE VIAGEM! “Botar os pés na terra firme e seguir viagem”, mas foi justamente sem fincar os pés no chão que eu viajei. Como quem furta guardei o livro na bolsa e segui para o hospital com meu velho pai no volante... cheguei ás 10 e pouca, e a população recifense e olindense já estava lá com a língua em punho, alvejando os funcionários, gente que tinha amanhecido na policlínica, o único local que estava atendendo trauma na cidade, e detalhe, fica na Campina do Barreto, na divisa de Recife e Olinda, com essa crise da saúde no estado, que se arrasta por várias gestões, todo mundo acaba se lascando. Bem, as primeiras duas horas e meia de espera, foram deliciosas, com muito cuidado, com uma criança trelosa, eu abri o livro bem pouquinho e saboreei cada página, eu era como o ray-ban de Zé Telles, uma expectadora, em cada lugar, imaginando cada paisagem, uma viagem! Fincar os pés na terra firme e seguir... viagem!!! Depois claro, o resto das 4 horas e meia de espera por uma injeção na bunda, foram as mais chatas possíveis, talvez fosse o caso de José Telles escrever um livro mais grosso!
A chuva lá fora me canta uma canção em uníssono
Enquanto todos aproveitam o seresteiro e dormem embalados
Eu prefiro ficar acordada
Ouvindo a cantoria dos telhados e calçadas
Quando vem forte a chuva parece um solo de tenor
Quando ta indo se despede em soprano
Soprando palavras que traduzo, não com a mente perturbada do cotidiano
Mas, com o resto de pureza que sobrou em minha alma
Me conta um segredo através dos pingos e das bicas
Me conta o que eu já sei e deixo adormecido
Por isso é que me inquieto em dias e noites de chuva
Ela me fala a mesma coisa em vários tons
Chuvisco, tempestade, garoa...
Não é estática como o sol, dinâmica arrasta as coisas, muda tudo de lugar
É chovendo na rua e lavando dentro de mim
Chuva interna é fachina na vida
Assim como os trovões que meus pais diziam ser anjos fachinando o céu
É por isso que a chuva é sagrada, lava minha alma
Ajuda a germinar meu versos
Chove de inspiração no meu adubo de palavras
Que eu escrevo plantação.

31/05/05