domingo, 29 de março de 2009

Na rua dos bobos nº 0


Era um num sei quê de barba por fazer e aqueles perfumes masculinos que ficam morando no nariz da gente, e era também algo de olhinhos apertados quando sorri, olhos flamejantes dentro da fumaça. “Vermelho são seus olhos quase que me queimam”. E eu fiquei só olhando. Depois peguei o ônibus de volta, fazendo o retorno, peguei em frente á UNICAP, adoro fazer retorno, só pra passar pelas pontes, e passear pelo Recife velho. Sentei na janela, adoro a janela, o vento no cabelo fuá, e lá fui eu... pensando nos olhos. Passeando e sentindo a brisa, e o cheirinho fedorento da minha menina dos olhos do mar, é um perfume fétido, cheiro salgado de mangue e mijo.
Eu viajei na quantidade de gente dormindo na rua, muita gente, isso me lembrou um caso lá no Ibura: enquanto eu abordava uma moradora tinha um homem olhando insistentemente pra nós, então observei que ele estava dentro de um quadrado, que na verdade era um alicerce de algo q já foi uma casa. Ali ele estava a cozinhar em um fogão a lenha improvisado. Então, perguntei a moradora se ele era parente dela, se morava na casa, ai ela me respondeu: “ele é vizinho, ele mora aí”, então questionei o que ele fazia pra se proteger em época de chuva, ela disse que ele ficava em pé em baixo do guarda-chuva até a chuva passar. Pensei no que é uma casa, seria qualquer lugar que te abrigasse da chuva e do sol? Para aquele homem, a casa não tinha teto, não tinha nada, e nem protegia do sol ou da chuva... a casa era um alicerce. Agora vou eu dizer que aquilo não é casa, até os moradores o consideram como vizinho, é o vizinho da rua dos bobos nº 0. Continuei o passeio, vendo os vários vizinhos da onipresente rua dos bobos e o insistente número 0 em cada cantinho do Recife velho e do Recife novo. Em pouco tempo já havia esquecido os olhinhos apertadinhos, fiquei foi vendo as pessoas nas paradas do ônibus, expressão de cansaço, provavelmente a galera que trabalha no comércio, no telemarketing, trabalhadoras e trabalhadores, e o cheiro que invadiu o ônibus era cheiro de suor, de trabalho, o cheiro do trabalho meu bom burguês, o cheiro do trabalho!



*Foto de Marina Sobral

Um comentário:

  1. lembrei de Diórgenes, o que viveu dentro de um barrio. a diferença é que o homem do alicerce não teve pelo que optar, e Diórgenes só precisva daquilo. era o que ele dizia.

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