domingo, 1 de agosto de 2010

Eu tenho corações fora do peito!

O cotidiano nos massacra, é incrível como não temos tempo para nada. Perdi as contas de velhos amigos que vão ficando pelas fotos, e cartões de natal, outros tantos que a custo mantenho fazendo o cruzamento das agendas. São adultos, jovens adulterados, que trabalham, trabalham, estudam, estudam, e quando podem fazer um lazer nos encontramos em meio à multidão.

Eu também vivo nesta corda bamba, e me revolta termos que dar 06 ou 08 horas diárias do nosso tempo para o trabalho. O trabalho é humano, mas isto é desumano! O que sobra do meu dia, para fazer um exercício físico para minha saúde? O que sobra do meu tempo para me alimentar decentemente? O que sobra do meu tempo para ter as ideais 08 horas de sono? O que sobra do meu tempo para estudar? O que sobra do meu tempo para ler um bom livro que não seja o indicado pelo professor, ou ouvir uma boa música? Contabilizando o patrão nosso de cada dia nos leva bem mais de 08 horas diárias e não nos paga por essa mais valia extra, se é que posso ser redundante: são as 08 horas de trabalho e toda a preparação que antecedem e seguem: “eu acordo pra trabalhar, eu corro pra trabalhar, eu durmo pra trabalhar” diz a música dos Paralamas do Sucesso.

E assim, às vezes me dou conta de que cada tempo livre eu aproveito para dormir e fico angustiada com os livros empoeirando na estante, e com cada minuto que perco para o cansaço e o desânimo. Tem fases que eu fico tão deprimida que perco as horas, que o mal humor me ataca, esse trabalho repetitivo, sem a menor possibilidade de utilizar a criatividade, ser subutilizada me mata.

Até que um dia de domingo após a correria que está sendo este inverno, o sol reapareceu, e com ele o céu mais azul dos últimos tempos, como algo cinematográfico. Eu ouvia no mpb4, Los sebosos postizos cantando Domingaz: “Eu vou rezar para este domingo não chover, pois eu quero passear no parque de mãos dadas novamente com você” aquele clima domingaz me invadiu, e eu me senti tão feliz. De repente aquela vontade de morrer, ou de nunca ter existido que de vez em quando me abate deu lugar a uma consciência tremenda do lado muito bom da vida e das pessoas, lembrei de algumas viagens que fiz, lugares maravilhosos, como por exemplo o Vale do Catimbáu, se eu não existisse não veria aquilo, e me lembrei também que fui ao Rio de Janeiro e tive vontade de morar lá assim como aconteceu em Diamantina, ou quando simplesmente eu desejei que o tempo não passasse em Pedra do Xaréu. Eu não quero morrer antes de conhecer pelo menos um milésimo deste mundão.

Também fiquei viajando na quantidade de coisas que nós humanos construímos: cinema, que coisa maravilhosa, filmes como Cinema Paradiso, que eu sinto um nó na garganta só de lembrar, e as músicas, que coisa fantástica é criar arranjos, extrair de vários instrumentos um som, algo que me faz transcender; e os poemas, as prosas e as letras que como diz o mestre Milton Nascimento “que perguntar carece como não fui eu que fiz?”.

Por tudo isto, e toda essa alegria que hora me arrebatou, é que fiquei pensando nas vezes que amei, não foram muitas, mas foram intensas: gostar tanto de alguém que só de olhar pra essa pessoa seus olhos se derretem, a sensação deliciosa de desejar e de ser desejada, o toque, a recíproca. Quase que eu me esquecia disso tudo, pois o fim de um último grande amor trás o gosto de finitude, como se nada depois disso fertilizasse.

De uns tempos para cá, realmente eu vinha dando mais valor a ficar só, ia só ao cinema, ficava finais de semana sozinha sem nem procurar amigos, coincidiu com minha irmã indo morar com o marido e eu com o quarto só pra mim, sentindo prazer em arrumar as coisas ao meu modo, quase que eu me esqueci que ficar junto também é bom.

E foi assim, percebendo que além das coisas feias da vida que me revolta, me angustia, me deprime, existem tantas outras coisas boas de verdade, que me faz pensar igual aos novos baianos “besta é tu, besta é tu, porque não viver? Não viver este mundo, porque não viver? Se não há outro mundo... E pra ter outro mundo é preci-necessário viver. Viver contanto em qualquer coisa, olha lá, olha o sol...”

Decidi tirar o mofo e colocar o coração pra pegar um sol, o sol! Como as pessoas podem ser interessantes, engraçadas e inteligentes, como é bom voltar a sentir o frio na barriga, as dúvidas: ligo ou não ligo, será que ele liga? Como é bom ter esta ansiedade gostosa e saber que no mundo há mais gente legal do que se pensa, e que as pessoas estão aí à procura umas das outras.

Lembrei também dos amigos, estas pessoas que nos admiram, estimam mesmo sabendo dos nossos piores defeitos, se é que existem defeitos melhores. Penso o que seriam dos meus inimigos se não fossem os amigos deles. Por isso eu tenho corações fora do peito, como canta Gal Costa, e “eu tenho um beijo preso na garganta, eu tenho um jeito de quem não se espanta... eu quero, eu posso, eu quis, eu fiz... e vou vivendo assim felicidade nesta cidade que plantei pra mim e que não tem mais fim, não tem mais fim, não tem mais fim”

E quase que eu me esqueci: seja bem-vindo em mim!

Do varal do quintal de casa, 01 de agosto de 2010.

Trilha sonora:
Capitão de indústria – Paralamas do Sucesso (cd nove luas de 1996)
Domingaz - Los Sebosos Postiços (Registro ao vivo do show noites do Ben)
Certas canções - Milton Nascimento
Besta é tu - Novos baianos (cd Acabou Chorare de 1972)
Mamãe coragem – Gal Costa (letra de Caetano Veloso e Torquato Neto – cd: Tropicália)

3 comentários:

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  2. Que saudade de tu pessoa.
    Vem morar no Rio, vem!
    Que bom que existe pessoas como você nesse mundo.
    Eu e Sarah lemos juntos essa coisa maravilhosa que você escreveu, lemos até o final quase sem respirar, querendo saber o que viria depois... Lendo e se encantando.
    Precisamos, sim de tempo para viver!
    Que bom que você utiliza o pouco tempo que resta para viver assim, levando um pouco de esperança à vida das pessoas.

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